Imagine que de repente, enquanto dirige, no meio do trânsito caótico, você simplesmente deixa de enxergar. Não só não enxerga, como ao contrário da cegueira tradicional, em que o indivíduo mergulha em uma escuridão, ele está dentro de um mar de leite... Tudo é claridade, não branca, mas creme...
É uma epidemia de cegueira. De repente a sociedade deixa de ser aquilo que todos conhecem por sociedade, os cegos precisam se adaptar e por isso elaboram um nova maneira de viver em conjunto. A princípio, como em qualquer caso de epidemia de doença grave, a atitude do governo é isolar os doentes para evitar o contágio. Mas, não há como conter a epidemia.
Confesso que não li o livro, por isso não tenho como analisar a obra enquanto adaptação, por isso vou encarar como se o filme existisse sozinho dissociado do livro.
A atitude de isolar os indivíduos cria uma série de problemas, uma nova sociedade é criada. Sociedade para Rousseau é um contrato social, as pessoas vivem juntas e por isso criam convenções que são adequadas para o convívio em grupo. Essas convenções funcionam bem do ponto de vista que evita que as pessoas confrontem-se o tempo todo. Leis são criadas e respeitadas por todos para um convívio harmônico. Todos nós vivemos assim, e, segundo Rousseau, isso não é bom já que tira o homem do seu ambiente natural. Para ele, muito das confusões que existiam já em sua época advêm do fato de que o homem vive de maneira artificial, a cada segundo, cada pensamento seu é podado por uma convenção e é importante respeitar aquilo que é combinado. Afinal, é para isso que foram criadas as leis, para manter todos os indivíduos no “cabresto”.
No filme, os cegos isolados têm que criar novas convenções. É interessante notar que quando se vêem em um lugar, presos, unidos por uma desgraça, a atitude de algumas pessoas é romper com o contrato social. Pois, se o Estado os aprisionou sem condições mínimas de sobrevivência, o Estado quebrou antes o contrato.
Vemos na tela uma nova sociedade em formação, não há leis pré-definidas, aquelas usadas fora da quarentena deixam de ser as leis válidas. Logo vão estabelecer um preço para as coisas e começam a se corromper.
O diretor Fernando Meirelles consegue causar no público parte da sensação sentida pelas personagens. O excesso de cenas muito claras deixa a visão completamente atrapalhada, a sensação de angústia é crescente... Medo, nojo, horror... tudo isso cresce só cresce ao longo do filme. Às vezes, temos a sensação de estarmos também perdidos, não sei se propositalmente, mas, as cenas se seguem sem nenhuma explicação, tudo simplesmente “acontece”. Apenas no final, surge uma voz “over” para dar um rumo à narrativa.
Muito legal também é a idéia dos personagens não terem nome, pois não é “o fulano” ou “o ciclano” que é capaz de fazer aquele tipo de coisa, ou com os quais acontecem aquelas coisas. Aqueles acontecimentos estão em nossas vidas todos os dias. Imagine que você assiste à TV e estão dizendo: Fulana esquarteja filhos!
Agora imagine que você não sabe o nome da fulana e que a notícia é a seguinte: Mãe esquarteja filhos! É diferente não é?
Sim, a diferença está no fato de que passa a existir a possibilidade de que qualquer mãe pode cometer uma barbárie dessas contra seus filhos, não é uma história isolada, não há justificativa, “ela era má e por isso fez isso”, não, ela fez e qualquer outra mãe poderia ter feito. Não se trata de um indivíduo isolado. Trata-se de saber por que o ser humano é capaz de fazer isso com outro, tão humano quanto ele. Por que um cego é capaz de fazer mal a outro cego que se encontra exatamente na mesma situação que ele? O que leva uma pessoa a ignorar aquilo que há de semelhante no outro? A sua humanidade.
O filme foi muito acusado de ser “pesado”, realmente o é. Mas, não acho que Meirelles tinha uma outra idéia. Não dava para fazer algo “leve”, o assunto é cegueira.
“Em terra de cego, quem tem um olho é rei.” Será? Julianne Moore tem dois, mas vocês verão que não se trata de ser rainha, e que na verdade quem tem o poder é o mais forte, o mais bem armado e, principalmente, o “Mal”. Coisas da modernidade.
A pergunta que fica quando termina a película é: Eles estão cegos, mas será que todos nós não estamos?
O que será necessário nos acontecer para que vejamos que caminhamos para um futuro sem humanidade? Onde foi parar o afeto?
É uma epidemia de cegueira. De repente a sociedade deixa de ser aquilo que todos conhecem por sociedade, os cegos precisam se adaptar e por isso elaboram um nova maneira de viver em conjunto. A princípio, como em qualquer caso de epidemia de doença grave, a atitude do governo é isolar os doentes para evitar o contágio. Mas, não há como conter a epidemia.
Confesso que não li o livro, por isso não tenho como analisar a obra enquanto adaptação, por isso vou encarar como se o filme existisse sozinho dissociado do livro.
A atitude de isolar os indivíduos cria uma série de problemas, uma nova sociedade é criada. Sociedade para Rousseau é um contrato social, as pessoas vivem juntas e por isso criam convenções que são adequadas para o convívio em grupo. Essas convenções funcionam bem do ponto de vista que evita que as pessoas confrontem-se o tempo todo. Leis são criadas e respeitadas por todos para um convívio harmônico. Todos nós vivemos assim, e, segundo Rousseau, isso não é bom já que tira o homem do seu ambiente natural. Para ele, muito das confusões que existiam já em sua época advêm do fato de que o homem vive de maneira artificial, a cada segundo, cada pensamento seu é podado por uma convenção e é importante respeitar aquilo que é combinado. Afinal, é para isso que foram criadas as leis, para manter todos os indivíduos no “cabresto”.
No filme, os cegos isolados têm que criar novas convenções. É interessante notar que quando se vêem em um lugar, presos, unidos por uma desgraça, a atitude de algumas pessoas é romper com o contrato social. Pois, se o Estado os aprisionou sem condições mínimas de sobrevivência, o Estado quebrou antes o contrato.
Vemos na tela uma nova sociedade em formação, não há leis pré-definidas, aquelas usadas fora da quarentena deixam de ser as leis válidas. Logo vão estabelecer um preço para as coisas e começam a se corromper.
O diretor Fernando Meirelles consegue causar no público parte da sensação sentida pelas personagens. O excesso de cenas muito claras deixa a visão completamente atrapalhada, a sensação de angústia é crescente... Medo, nojo, horror... tudo isso cresce só cresce ao longo do filme. Às vezes, temos a sensação de estarmos também perdidos, não sei se propositalmente, mas, as cenas se seguem sem nenhuma explicação, tudo simplesmente “acontece”. Apenas no final, surge uma voz “over” para dar um rumo à narrativa.
Muito legal também é a idéia dos personagens não terem nome, pois não é “o fulano” ou “o ciclano” que é capaz de fazer aquele tipo de coisa, ou com os quais acontecem aquelas coisas. Aqueles acontecimentos estão em nossas vidas todos os dias. Imagine que você assiste à TV e estão dizendo: Fulana esquarteja filhos!
Agora imagine que você não sabe o nome da fulana e que a notícia é a seguinte: Mãe esquarteja filhos! É diferente não é?
Sim, a diferença está no fato de que passa a existir a possibilidade de que qualquer mãe pode cometer uma barbárie dessas contra seus filhos, não é uma história isolada, não há justificativa, “ela era má e por isso fez isso”, não, ela fez e qualquer outra mãe poderia ter feito. Não se trata de um indivíduo isolado. Trata-se de saber por que o ser humano é capaz de fazer isso com outro, tão humano quanto ele. Por que um cego é capaz de fazer mal a outro cego que se encontra exatamente na mesma situação que ele? O que leva uma pessoa a ignorar aquilo que há de semelhante no outro? A sua humanidade.
O filme foi muito acusado de ser “pesado”, realmente o é. Mas, não acho que Meirelles tinha uma outra idéia. Não dava para fazer algo “leve”, o assunto é cegueira.
“Em terra de cego, quem tem um olho é rei.” Será? Julianne Moore tem dois, mas vocês verão que não se trata de ser rainha, e que na verdade quem tem o poder é o mais forte, o mais bem armado e, principalmente, o “Mal”. Coisas da modernidade.
A pergunta que fica quando termina a película é: Eles estão cegos, mas será que todos nós não estamos?
O que será necessário nos acontecer para que vejamos que caminhamos para um futuro sem humanidade? Onde foi parar o afeto?
Nenhum comentário:
Postar um comentário