sábado, 1 de maio de 2010

Mary and Max

No sábado passado, eu pensei: Vou assistir a um filme bobinho, para variar, pensar demais cansa às vezes...
Então, ao ver o cartaz de Mary e Max – Uma amizade diferente, lembrei que já tinha visto o trailer e fiquei pensando que o Philip Seymour Hoffman, que faz a voz do Max, não ia aceitar fazer qualquer porcaria, sendo assim, devia ser um filme levinho com um toque de inteligência no mínimo. Descobri depois que Tony Collette (do maravilhoso Pequena Miss Sunshine) fazia a voz da Mary.
Foi uma surpresa, nada de filminho light, o diretor Adam Elliot construiu um panorama completo da vida de duas pessoas muito diferente. Mary é uma menina triste cheia de esperanças quando começa a se corresponder com Max, um quarentão sem qualquer esperança na vida.
Max é um personagem complexo, acumula um certo conhecimento de mundo, próprio de sua idade, mas é o que poderíamos chamar de “incompetente social”, mais tarde descobriremos que ele sofre da Síndrome de Asperger, que é algo bem difícil de explicar, então se você não sabe do que se trata, vá ao Wikipedia.
A linguagem doce de Mary, logo descobrimos, é fruto apenas de sua infância, afinal, não há doçura nenhuma na vida de Mary, assim como na de Max. São personagens que se unem por uma única coisa em comum, são seres essencialmente solitários. Mary parece estar sozinha por não gostar muito da imagem que vê no espelho e Max pelo problema já citado.
Não consigo não pensar nas definições de romance propostas por Lukács, no indivíduo que vive dentro do capitalismo, na solidão que isso causou, Mary e Max são exemplares genuínos desse mundo capitalista, e, ao mesmo tempo, nós que vamos ao cinema assistir a um filminho “levinho”, como eu disse de início, nos divertimos também à moda da sociedade capitalista. Diante da solidão, saímos de nossas casas e procuramos o conforto de um cinema quentinho, que mostre uma história bonitinha que nos traga alguma forma de conforto. Sim, porque ainda que sentemos ao lado de tantas outras pessoas, estamos todos dentro de nossa bolha particular, estamos todos, me parece, irremediavelmente sós.
Se o romance é a invenção do homem para ter uma diversão a sós, ou seja, provando que é possível ser feliz sozinho em casa, com um facho de luz a iluminar o livro, o cinema é uma evolução disso, é uma história que se conta em, no máximo, três horas e dentro dela, assim como no romance, somos chamados a viver uma felicidade que não é nossa, mas que, por algum tempo, parece ser. Os filmes hollywoodianos podem, em sua maioria, ser enquadrados nesta descrição, mas,Mary e Max, não, se você busca o conforto de um romance banal ao ir ver este filme irá, literalmente, quebrar a cara, sairá da sala um tanto triste, carregando um sentimento de melancolia e a sensação de que alguma coisa dentro de você foi bagunçada, e é isso mesmo... Todos os dramas do indivíduo moderno são remontados bem ali na tela, em um curtíssimo espaço de tempo, 80 minutos, uma hora e dez minutos.
A classificação fala que o filme pode ser visto por crianças a partir de 12 anos, pelo que eu disse até agora, você acha que é possível para uma criança desta idade ver um filme assim?
Não é mesmo.
Cheio de sacadas inteligentes, o filme “levinho e reconfortante de sábado à noite” se transformou no melhor filme que eu assisti neste ano, e não foram poucos.
Mesmo com o sentimento doído de melancolia, podemos dizer que o filme é muito bonitinho, não um bonitinho bobo, a beleza está na sinceridade com que é contado, pelo singelo das imagens, pela linda trilha que ajuda a formar toda a atmosfera de cotidiano retratada no filme. Um cotidiano que se repete e se repete e se repete, a quebra se dá por algumas desgraças inevitáveis, mas a beleza está na amizade construída pelos personagens à distância, esta é uma quebra definitiva no cotidiano de Mary e Max, uma carta colocada na caixa do correio muda a cadência e o significado de duas pessoas tão diferentes. A existência de uma modifica a da outra. Max faz sua primeira amiga na vida, uma menininha que queria saber de onde vinham os bebês em Nova Iorque. E Mary faz seu primeiro amigo, um adulto em quem pode confiar, que, apesar da diferença de idade, gosta das mesmas coisas que ela.
Nós, sujeitos modernos, parecemos buscar eternamente uma fuga, que acontece, quase sempre, pela arte, buscamos na arte a nossa redenção, a nossa salvação, como queria Goethe, mas, ao assistir o filme, pensei em algo bem mais simples, em uma mensagem bem pura e desprovida de grandes pretensões, assim como a animação feita com bonequinhos de argila na era de Avatar, James Cameron e a superimagem 3D; às vezes, algo bom está apenas do outro lado da rua, está no aproximar-se de outras pessoas e sair um pouco da bolha, é enxergar o outro, afinal, a maioria de nós não tem fobia de pessoas, nem Síndrome de Asperger como os personagens do filme, mas vivemos como se todos sofrêssemos de uma dessas doenças. Uma amizade, um amor ou um ente querido tem o poder de modificar o mundo à nossa volta, como modificou a vida de Mary e Max.
Uma ótima mensagem do diretor Adam Elliot, perfeita para os dias de hoje, filme excelente!

Nenhum comentário: