sexta-feira, 5 de março de 2010

Adeus Mindlin...

Eu não vim de uma família de leitores, talvez por isso o primeiro livro tenha sido um presente cheio de mistério. Havia uma torcida de duas pessoas para que eu gostasse “daquilo”, eu era muito pequena ainda. O nome do livro era “O Caracol”, eu devia ter em torno de três, quatro anos, já tinha contato com livros na escolinha... O Caracol dava conta da história de um caracol solitário que tinha que carregar toda a sua vida nas costas, infelizmente, eu perdi o livro, ou minha avó deu ele para alguém. Mas uma coisa ficou, eu tenho mania de carregar minha vida dentro de uma enorme bolsa, e todas as vezes que eu pego minha bolsa, eu penso: estou parecendo uma mulher caracol, que carrega a vida nas costas, que nem o caracolzinho do livro. O fato é que eu gostei demais de livros, vieram outros, minha tia fazia até crediário para comprar livro na Saraiva, ela achava lindo eu gostar de ler, cada livro era uma descoberta, um universo de possibilidades. Como o dinheiro não dava para comprar todos os livros, fizemos uma carteirinha na Biblioteca da Penha, então eu podia pegar dois livros por semana lá. Bons tempos...O tempo passou e vieram outros autores pelos quais eu viria a me apaixonar.A primeira grande paixão literária foi O pequeno príncipe, que eu releio todos os anos para não me esquecer de como é bom ser simples e ingênuo.Vieram outras paixões avassaladoras, Machado de Assis comecei a ler sem parar assim que entrei na universidade. Memórias Póstumas... Dom Casmurro e, o meu preferido, Quincas Borba, depois vieram os contos machadianos. Depois de Machado, buscando todas as influências possíveis e imagináveis do ídolo, me apaixonei, assim como ele, por Stendhal. Depois vieram Dostoiévski, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e uma longa lista de gente de tudo quanto é lugar, Jane Austen, Albert Camus etc. Então foi a vez da poesia, apresentada de uma forma única pela Viviana Bosi, minha doce professora de Introdução aos Estudos Literários... Pois é, a paixão foi tanta e tão impossível de segurar que eu fui fazer Letras lá na USP, onde eu encontrei um monte de gente muito parecida comigo, inclusive ídolos de ouro que me olham no olho. Alfredo Bosi, Antonio Candido, Alcides Villaça, Boris Schnaiderman, Aurora Bernardini...Os meus preferidos são certamente Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Machado de Assis, Dostoievski, Anton Tchekhov e Carlos Drummonde de Andrade, mas são muitos outros os que me agradam, os que me surpreendem.Foi assim, numa dessas andanças atrás da fortuna crítica e de obras raras de Guimarães Rosa que esbarrei numa figurinha mágica, José Mindlin, filho de ucranianos (as figuras russas e ucranianas estão sempre a rondar minha vida). Uma pessoa incrível que fez de sua biblioteca o grande amor da sua vida, uma vida dedicada a buscar obras raras. A surpresa ao descobrir Mindlin só não foi maior que a que eu tive ao descobrir o segredo de Diadorim. Esse encanto de pessoa, apaixonado pela vida, abnegado e consciente (deixa-nos de presente, na USP, boa parte de seu imenso acervo) nos deixou no dia 28 de fevereiro. Ele gostava de dizer que não queria viver em um mundo onde não houvesse livros, pego de empréstimo a frase e a faço minha por um instante, pois, de “O Caracol” até aqui, toda a minha vida foi transformada pelos livros, pelas vidas e ensinamentos contidos em cada obra que li.

2 comentários:

César Dona Hill disse...

Encontrei seu blog por um mero acaso no google. Mas realmente vc tem o dom da escrita, e fico mais feliz em saber que tu vai fazer letras. Quem sabe em uma das minhas tarde de sabado em Livrarias + Starbucks, não encontre seu livro por lá?
Boa sorte com a leitura e continue a escrever.

ps. Adorei o post sobre Sex and the city, o filme.



Att. César

Flávia disse...

Muito obrigada César...
Já fiz Letras, a melhor coisa que fiz por mim, certamente.
Tomara que encontre um livro meu um dia sim, e que goste muito dele.

Um abraço!