quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Um outro...


E de repente o mundo inteiro vira dois...Tem um outro que te olha no olho e te chama de linda ao acordar com aqueles cabelos bagunçados, suados, embaraçados; com olhos borrados de rímel da noite anterior, com a pele do rosto num branco profundo, no qual não há nenhum sinal do blush da noite passada. As máscaras da noite, das fantasias próprias da boemia, derretem assim que o sol nasce, mas aquele outro que dorme ao lado acha lindo poder ver a mulher que acorda pós-festa sem sua máscara. A palavra “linda” surge entre sussurros e suspiros a cada hora, menos até...
Passam algumas horas e o encanto continua e vai num crescente para algum lugar, a graça é não ter importância a direção, antes tinha, agora faço questão que não tenha... Estamos no mundo para voar. Lançar-se de cabeça, não é do feitio, mas é possível fazer algo totalmente inesperado, ir na direção em que corre o rio...
Não há ordem nenhuma em amar, é um caos completo, as pernas batem nos móveis, as cabeças funcionam em descompasso, os dentes fazem uma estranha fricção no dente do outro, as coisas ainda estão se adequando...
O telefone toca, os sms são mandados a toda hora do dia e você anseia por recebê-los. São horas de olhares, de cumplicidade, são cúmplices de algo que nasce e passam a observar a coisa crescendo, se moldando, se ajeitando. E tudo é tão diferente, é como se nada disso tivesse acontecido antes.Tudo aquilo tão estranho para todos é lindo, é admirado, é esperado...
As piadas inteligentes e sem graça para muitos encontram finalmente um receptor, que não só as entende, como sabe dialogar a respeito delas.
O Machado, Dostoievski e Tchekhov embaixo da cama tornam-se objeto de admiração e tudo o mais que são sustos para todos os outros são agora gratas surpresas para o outro que me espreita.
Um lugar improvável, uma noite comum, entre luzes e sons, com amigos desvanecentes e irmãs uterinas surgiu alguém que não é nada disso, é uma outra coisa que eu ainda não sei o nome porque eu nunca experimentei nada assim e me veio agora uma citação da eterna intérprete de tudo aquilo que vai por dentro de mim (Clarice Lispector): “Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”.
Sobre a imagem: "O Beijo", escultura em mármore de Auguste Rodin.