domingo, 15 de fevereiro de 2009

Revolutionary Road

A realidade é esmagadora...

Aos vinte e poucos anos, nos sentimos donos do mundo. Todos conhecemos aquela maravilhosa sensação de se poder realizar qualquer coisa, uma porção de gente diz com grande orgulho: Você tem a vida toda pela frente.

E não é que tínhamos mesmo...

Mas, que tipo de vida escolheremos ter? Será que há como escolher?

Este é o mote para o magnífico filme de Sam Mendes “Foi Apenas um Sonho” ou, no original, Revolutionary Road.

O casal Wheeler se conheceu exatamente no auge da juventude, April (Kate Winslet) apaixonou-se justamente pelo vislumbre de um jovem que seria diferente de todos que ela já havia conhecido. Bastou um sorriso e a sinceridade ao dizer que não fazia idéia do que seria para o jovem Frank (Leonardo Di Caprio) conquistar aquela que se tornaria sua esposa.

Da cena do encontro, um corte para a realidade do casal alguns anos após o primeiro encontro. Instalado confortavelmente em uma casa, em um lindo vilarejo de Connecticut, o casal passa os dias contando-os vagarosamente.

No entanto, a mediocridade e o conformismo não são para todos (ainda bem!), a jovem esposa se cansa e propõe ao medíocre marido, empregado em uma fábrica de aparelhos, dos quais ele nem entende muito bem, que se mudem para Paris. Eles e os dois filhos.

Vou parar por aqui com a narração da história, se não acabarei por revelar muito do filme.

Envolvida que estou até a raiz dos cabelos com a obra do escritor e dramaturgo russo, Anton P. Tchekhov, não consigo evitar a comparação... Tchekhov estava entre nós no fim do século XIX e início do XX, não é tanto tempo assim... Mas, lá se vão cem anos, um século e uma imensidão de quilômetros nos separam do universo dele. No entanto, parece que a sua obra trata da mesma matéria que o filme de Sam Mendes, adaptação do livro de Richard Yates: Por que a realidade nos sufoca? Por que o dia-a-dia tira-nos a vontade de viver? Por que é tão difícil para alguns aceitar a mesmice?

Nossa vida é um repetir interminável de seqüências e simplesmente não nos damos conta. Enquanto escrevo isso, vem à minha cabeça vários escritores, que desesperados tentaram fugir da mesmice. Aliás, a arte é e sempre foi a tentativa máxima de escapar deste plano para outro superior, libertador...

O casal do filme se vê tragado por aquilo que é esperado, jovens se casam, têm filhos, compram um casa, vêm TV juntos, dormem juntos. Cabe à mulher acordar bem mais cedo que o marido para preparar um lindo e perfumado café da manhã para o macho provedor do lar, preparar os filhos para escola, passar o dia a arrumar a casa e a preparar a janta, espera-se dela também que esteja disposta para transar com o marido à noite...

Muita coisa nessa lenga lenga horrorosa mudou, as mulheres trabalham. Afinal, já queimaram seus sutiãs em praça pública por este direito. Parando bem para pensar, salvas as gloriosas exceções, o que mudou para mulher fora isso?

O macho continua a esperar as mesmas coisas dela. Cabe a ele apenas prover o lar, dar o dinheiro, em outras palavras. Há duas coisas que quase todos os homens fazem para provar que são homens: Comer suas esposas e às vezes algumas outras mulheres e sustentar uma casa. Isso é ser homem? Aquela figura que eu descrevi há pouco é o que é ser mulher?

Ficam as perguntas para quem queira responde-las. Mas, me apavora que as coisas continuem tão iguais tantos anos depois das primeiras denúncias de que havia algo errado.

Mestre do retrato dessa vida cansativa, Tchekhov tratou de todas as formas de repetição e da espécie de abismo que parece tragar todos nós para dentro de si.

Por que um jovem promissor torna-se o esposo barrigudo que assiste ao jogo no domingo enquanto bebe cerveja?

Como conseguir enxergar além?

O mundo capitalista, que se propõe um regime de liberdade, faz isso conosco. Quantos de nós jamais quis um emprego em que se bate o opressor e perturbador “cartão de ponto” às 9h, entrada; 13h, saída para o almoço; 14h, retorno do almoço e 18h, saída?

Há como fugir disso?

Alguns espertos “porcos capitalistas” (adoro essa expressão) dirão:

- Há sim, sendo rico, você não precisa bater cartão.

A minha resposta é: Você, caro tolinho, não bate o cartão físico, mas tem um cartão abstrato, imaginário, que é tão palpável como a bosta que eu tenho que encostar naquela maldita máquina que faz “pi” todas as manhãs.

Temos aí nome do nosso abismo então: CAPITALISMO.

É atordoante que tantos jovens promissores sejam sufocados por essa desgraça de sistema econômico.

A pergunta que todo parvo faz é: Você enxerga uma saída?

A resposta: Não... eu não enxergo uma saída, mas só o fato de eu saber, de eu notar que há algo de errado já me torna infinitamente melhor que muita gente.

Tchekhov disse simplesmente que não cabia a ele o poder de resolver as questões que propunha, cabia a ele apenas colocar o problema da maneira correta.

Infelizmente, para aqueles que não são “gado” há poucas alternativas: Pode-se viver, apesar de tudo, lutando por aquilo em que se acredita; adequar-se ao sistema, ou fugir dele...